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‘O devedor contumaz acarreta desequilíbrio no mercado’, afirma juiz

Publicado em 17/10/2018 por Alessandra de Paula

Flávio Oliveira Lucas, juiz federal de 1ª instância do Rio de Janeiro, concedeu ao Movimento Combustível Legal uma entrevista exclusiva falando sobre temas importantes para a área de combustíveis. O juiz, que já condenou vários sonegadores de impostos, ressalta como a sonegação é prejudicial à livre concorrência. Ainda segundo o magistrado, é fundamental a aproximação do poder judiciário com os problemas específicos que afetam o setor de combustíveis, possibilitando, assim, que sejam tomadas decisões benéficas para toda a sociedade. Confira a entrevista completa a seguir:

 

Movimento Combustível Legal (MCL): O setor de combustíveis é fonte número um de arrecadação nos estados, mas, devido à complexidade tributária, acaba sendo muito vulnerável a fraudes, sonegação e concorrência desleal. Como a justiça pode contribuir para melhorar esse quadro?

Dr. Flávio Lucas: Acredito que o Poder Judiciário possa contribuir dentro de seus limites constitucionais. No plano cível, talvez com uma maior aproximação com os órgãos administrativos incumbidos da regulamentação e fiscalização das fraudes em geral. Essa medida possibilitaria aos magistrados uma maior compreensão da amplitude do problema e das consequências para a sociedade. Já na esfera criminal, a contribuição do Poder Judiciário é muitas vezes limitada pela legislação de regência, sobretudo acerca da sonegação fiscal, que prevê determinados benefícios aos sonegadores em geral. Dentre esses, eu destaco a extinção da punibilidade do crime pelo pagamento do valor sonegado, ou adesão a planos de refinanciamento de dívida.

 

MCL: Outra questão recorrente diz respeito às liminares que reabrem postos interditados pelas Secretarias de Fazenda. Não só postos, mas muitas distribuidoras continuam operando com base em liminares. Há quem diga que, em algumas situações, o que gera a liminar são atos administrativos imperfeitos. Neste caso, a liminar é concedida para não punir o comerciante sem haver ainda a certeza de adulteração. O que o senhor acha?

Dr. Flávio Lucas: O magistrado competente para a causa possui a garantia constitucional de analisar os fatos e decidir o direito conforme a sua convicção, fundamentado na legislação pátria. Trata-se da independência judicial instituída em prol de toda a sociedade, que se resguarda da possibilidade de o juiz ter que decidir conforme a vontade dos poderosos de ocasião. Isso é inegociável. Mas acredito que a aproximação do Poder Judiciário com a causa em si, muitas vezes por meio de simpósios, estudos, etc., permitirá que ele tenha mais elementos que possibilitem que a sua decisão seja a mais coerente possível com os princípios constitucionais e os interesses de toda a sociedade, os quais são perfeitamente conciliáveis.

 

MCL: O Projeto de Lei do Senado (PLS) 284/2017 caracteriza o devedor contumaz e o diferencia do devedor eventual. Quais são os problemas que o devedor contumaz acarreta para as empresas e para a sociedade? O senhor acha que o PLS 284 é um avanço no combate ao devedor contumaz? O que mais pode ser feito pela justiça?

Dr. Flávio Lucas: Vejo o PLS 284 como um grande avanço. O devedor contumaz acarreta um desequilíbrio no mercado, já que o custo da alta tributação que sofre esse setor somente é suportado pelas empresas cumpridoras de seus deveres. Já o devedor contumaz incorpora a prática de sonegação como regra e, consequentemente, possui margem de preços e lucros melhores do que os demais. As práticas envolvem, ainda, o encerramento de pessoas jurídicas devedoras, com reabertura de empresas com outras denominações sociais, mas com mesmos sócios, e outros expedientes fraudulentos, os quais devem ser reprimidos. Como disse acima, a atuação do Poder Judiciário depende da postura proativa dos órgãos de controle e das demandas que estes apresentarem judicialmente. Contudo, no plano criminal, pelas razões apontadas, não há muito a fazer.

 

MCL: Qual a sua opinião sobre a súmula 70, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determina que o pagamento de tributos não pode se dar de forma coercitiva? Acha que pode dificultar a cobrança dos sonegadores recorrentes?

Dr. Flávio Lucas: A vetusta súmula 70 do STF tem a sua razão de ser, embora, talvez, não seja aplicada uniformemente em todas as situações. Se a legislação confere ao Poder Público instrumentos legais para proceder a cobrança de tributos, dentre os quais destaca-se a execução fiscal, não é adequado que o Estado opte por um “atalho”, mediante o uso de medidas administrativas de caráter coercitivo, as quais passariam a ser utilizadas unicamente como maneira de obter o pagamento do tributo, desvirtuando-as. Na verdade, novamente destaco que cabe aos vários órgãos administrativos incumbidos das cobranças se aparelharem corretamente, talvez mediante incorporação de métodos, práticas e instrumentos modernos de investigação patrimonial, fartamente adotados em outros países.

 

MCL: Durante sua apresentação na Rio Oil & Gas 2018, o senhor deu um ótimo exemplo, comentando que, se um proprietário de carro não pagar as taxas do seu veículo, ele sentirá o peso da lei mais rapidamente. Por outro lado, uma empresa sonegadora de impostos, às vezes, consegue recursos para protelar o pagamento dos tributos. Como podemos mudar isso?

Dr. Flávio Lucas: Foi o que disse acima: a aplicação da súmula 70 do STF não se dá de maneira uniforme. Discutir qual das aplicações é a correta tem a ver, fundamentalmente, com averiguar se a cobrança atende ou não aos princípios constitucionais, além de se tratar, em menor escala, de opção política.

 

MCL: O Sr. já condenou vários devedores/sonegadores. De uma forma geral, qual é a justificativa apresentada por eles? Falta fiscalização, ou ela é ineficiente? Quem ganha com a sonegação?

Dr. Flávio Lucas: A justificativa, muitas vezes, é a de que a sonegação é generalizada, de modo que se o réu não tivesse sonegado, não poderia competir. Embora a premissa de que não teria como oferecer preços competitivos sem a sonegação possa ser verídica, esse argumento não é suficiente para fundamentar uma absolvição. Mas o simples fato de admitirmos que ele pode, em muitas vezes, corresponder à verdade já demonstra o quão prejudicial à livre concorrência a sonegação é. Não sei dizer se falta fiscalização, ou se ela é ineficiente, mas certamente o quadro atual não favorece os que tentam arcar com a alta (e exagerada) carga tributária que pesa sobre os ombros dos que se comportam conforme a lei. Indubitavelmente, só quem ganha com a sonegação são os sonegadores e os que eventualmente os favorecem de alguma forma.

 

Por Alessandra de Paula

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